Mais do que contar histórias, os livros que tratam da temática étnico-racial são instrumentos de preservação da memória e da cultura dos povos. Em razão dessa característica, as obras literárias são utilizadas por mães, pais e educadores para apresentar às crianças os diferentes modos de vida que existem no Brasil.
Ao longo dos anos, livros de autoria de pessoas negras e indígenas têm ganhado espaço, em especial a partir da implementação das leis 10.639/03 e 11.645/08 – que incluem a história e cultura afro-brasileira e de povos originários nas salas de aula, respectivamente.
Para Dianne Melo, coordenadora de engajamento social e leitura do Itaú Social, garantir acesso às obras de escritores indígenas e negros, contribui para o reconhecimento e valorização das identidades e aproxima os leitores da cultura afro-brasileira e dos povos originários, o que se torna um instrumento potente também para a redução das desigualdades sociais. “É preciso compreender os importantes desafios que tocam a sociedade brasileira no que tange às desigualdades sociais, sobretudo étnicas e raciais, e acreditamos no potencial da literatura para um mundo mais justo”, ressalta. “É fundamental que crianças tenham contato com culturas e modos de vida diversos, a partir do olhar de seus representantes, para que possam desenvolver o olhar crítico, empatia e respeito às diferenças”.
“Nunca pensei que meu livro chegaria a tantos lares e escolas”, aponta o escritor Otávio Júnior. Morador do Complexo do Alemão, bairro do Rio de Janeiro (RJ), o autor tem acompanhado a inclusão de escritores de diferentes etnias e localidades no mercado editorial.
Neste ano, sua obra “De passinho em passinho: um livro para dançar e sonhar”, com ilustrações de Bruna Lubambo e publicado pela Companhia das Letrinhas, foi um dos selecionados pela campanha “Leia com uma criança”. Ele está sendo distribuído junto com o título “A pescaria do curumim e outros poemas indígenas”, do autor indígena Tiago Kakiy, com desenhos da Taísa Borges e publicado pela Panda Books.
Tiago já fazia poesias para o público adulto quando foi incentivado pelo ativista Daniel Munduruku a escrever para crianças como oportunidade de resgatar e preservar a memória de sua etnia. “Muito do que foi escrito sobre os povos indígenas é resultado de um olhar exterior, de alguém que vem, pesquisa, um olhar antropológico, sociológico. Hoje quem está escrevendo esses livros sobre si, sobre seus povos, sobre sua cultura, sobre sua tradição, são os indígenas. Mesmo assim, precisamos ter todo esse cuidado para não reproduzir aquela imagem preconcebida durante anos nos livros escolares, do indígena com cabelo redondo, com tanguinha, com um grafismo só”, explica o poeta.
Incentivo à Leitura
Segundo o último levantamento do Retratos da Leitura do Brasil (lançada em 2020), os maiores incentivadores da prática são professoras e professores, com 11%. Em segundo lugar está a mãe ou responsável do gênero feminino, apontado por 8%, e, em seguida, o pai, o responsável do gênero masculino ou algum outro parente (4%).
O mesmo estudo mostra que a maioria dos leitores tem acesso ao livro pela loja física ou virtual (41%). As outras opções são por meio de presentes (25%); empréstimo pela biblioteca de escolas (18%) e de amigos ou familiares (17%); baixados pela internet (13%) e distribuídos pelo governo (8%).
Leia com uma criança
Iniciado em 2010, o Leia com uma criança – antigo Leia para uma Criança – jádistribuiu cerca de 63,5 milhões de livros físicos gratuitamente. Foi o primeiro programa a receber o Prêmio Jabuti na categoria Fomento à Leitura. Neste ano, serão distribuídos cerca de dois milhões de livros para organizações sociais e escolas e creches públicas com foco na valorização e protagonismo de pessoas, histórias e culturas negras e indígenas.
Os autores
– Otávio Júnior é escritor, contador de histórias, ator, produtor teatral, faz performances literárias e ficou conhecido por abrir a primeira biblioteca nas favelas do Complexo do Alemão e no Complexo da Penha, no Rio de Janeiro. Ele é morador do Complexo do Alemão e vencedor do Prêmio Jabuti de Literatura Infantil com “Da minha janela”.
– Tiago Hakiy é poeta, escritor e contador de histórias tradicionais indígenas. De Barreirinha, estado do Amazonas, descende do povo Sateré-Mawé. É autor de vários livros: Awyató-pót: histórias indígenas para crianças; Águas do Andirá; Petrópolis. Tem textos publicados nas antologias A quinta estação e Antologia poética dos escritores indígenas. Em 2012 foi vencedor do Concurso Tamoios de Textos de Escritores Indígenas. Formado em Biblioteconomia pela UFAM (Universidade Federal do Amazonas), mora no coração denso da floresta amazônica.